A maioria das pessoas sente que podem reconhecer a Ficção Científica (FC), quando na sua vida diária se deparam em filmes e episódios de televisão, com naves espaciais, pistolas de raios laser ou aliens e vampiros mais ou menos foleiros.
A FC para ser reconhecida como um género distinto, deve ter determinadas fronteiras, regras ou parâmetros ideais que definam o que é FC e excluam tudo o que não é.
Vamos dar aqui dois exemplos práticos retirados da literatura e ver até onde nos podem levar.
Primeiro, a novela clássica Titus Groan (1946) de Mervyn Peake.
Neste obra o autor descreve a vida de um grupo de pessoas que vive confinada entre as paredes de um enorme castelo, chamado
Gormenghast.
( à esquerda ilustração de Ian Miller)
O castelo é efectivamente uma cidade, tão grande e tão labiríntica que a maior parte continua inexplorada pelos seus habitantes, que governam a sua vida de acordo com detalhes obcessivos de antigas escrituras e regulamentos, que dão ao lugar um sentido profundo do bizarro e do lúgubre. Peake descreve detalhadamente os efeitos psicológicos nos seus habitantes provocados por este sombrio lugar onde vivem. Não explica, nem lhe interessa, as origens deste castelo, quem o construiu, etc. Simplesmente existe e está ali plantado.
Agora comparemos com Dune (1965), a novela mais conhecida de Frank Herbert. Este autor descreve o mundo desconhecido de Arrakis à maneira de Mervyn Peake, e como vivem os seus habitantes áridos que a ecologia deste planeta desértico impõe.
Ilustração de Jim Burns No entanto, o que separa o Dune de Titus Groan é a maneira como cada escritor estabelece o seu mundo imaginado. Herbert inventou grandes espaços num planeta distante num contexto humano de um império intergaláctico, que se desenvolveu durante eras, descobrindo no processo outros planetas habitáveis, onde semearam colónias. Ele descreve, em termos verdadeiramente ecológicos, a geografia física do planeta, mesmo ao pormenor da consistência do seu solo, e das várias formas de vida que evoluiram nesse ambiente. Herbert não facilita a vida aos seus personagens humanos e obriga-os mesmo, para dar credibilidade à sua obra, a utilizar uma espécie de fatos de borracha que fazem a reciclagem de água dos seus fluidos corporais, de maneira a poderem viver de acordo com as condições ambientais inventadas e descritas por ele.
Peter Berg remake
Arrakis é um imenso deserto que não possui água própria. Até certo ponto Frank Herbert até explica os sonhos de alguns personagens em tornarem o planeta mais hospitaleiro para a espécie humana, e todo o processo de TERRAFORMAÇÃO que implica. Mas o que é mais importante em Dune, é o seu intrínseco realismo uma vez que a vida dos personagens é formatada pela paisagem cientificamente definida do seu ambiente.
A comparação destes dois trabalhos clássicos da ficção imaginativa, um Fantasia, outro FC, não sendo de maneira alguma a última palavra no assunto, é na melhor das hipóteses, uma boa generalização que pode ser representativa da relação entre a Fantasia e a FC. Esta, consiste num tipo de literatura preocupada com o processo pelo qual, um determinado ambiente se torna diferente do nosso, ou pelos meios pelos quais a humanidade ali se pode encontrar. Claro que não exclui os elementos narrativos da intriga, aventura e demais, longe disso, mas implica que a FC examine o grande plano, como por exemplo, o questionar como os marcianos se podiam ter desenvolvido em Marte e explorar os efeitos da sua existência na maneira como os seres humanos se vêm a si e ao Universo. A FC enfatiza a sua diferença relativamente à Fantasia pela tentativa de construir uma estrutura racional para tudo o que descreve.