sexta-feira, 30 de julho de 2010

A Terra Oca (1)

Na sequência do posts anteriores, deixo aqui algumas informações sobre a Terra Oca (TO). A TO é uma hipótese que defende que o Planeta Terra é oco ou possui um substancial espaço aberto no seu interior. É um conceito há muito tempo abandonado pela Geologia mas ainda cultivado por alguns ocultistas e místicos. Como iremos ver, foi uma teoria também explorada pelos Nazis.
Existe alguma bibliografia sobre o assunto, onde o podemos aprofundar ludicamente, sem prescindir, contudo, dos aspectos críticos, tendo sempre em linha de conta as teorias geológicas bem estabelecidas e científicamente bem provadas sobre a formação e constituição da Terra, que nos chegam, quer pelas informações directas quer pelas indirectas da actividade geológica do nosso Planeta, onde se incluem, entre outros, os dados provenientes da sismologia e do vulcanismo.
Um desses livros é o de Raymond Bernard, The Hollow Earth (1979) e "Etidorhpa" de John Uri Llyod, que alega ter viajado para a superfície interna do Planeta.
Segundo Raymond Bernard e resumindo, a Terra possui uma crosta com cerca de 800 milhas de espessura, cerca de 1200 km portanto,e duas aberturas. Uma no Pólo Norte e outra no Pólo Sul. No centro da Terra não existe um núcleo pesado, parcialmente fundido (NiFe) onde se origina a nossa magnetosfera, mas sim um Sol com 600 milhas de diametro (960 km).
Em Etidorpha, Lloyd afirma que na sua viagem ao centro da Terra logrou chegar ao centro de gravidade - local onde não existe gravidade. Aquí chegado, Lloyd pôde-se mover pela utilização do poder da mente, o seu coração parou de bater e não precisou de se alimentar. Pelos vistos o senhor morreu, tendo ressucitado para poder partilhar connosco esta sua grande aventura interior. Ele descreveu também uma vegetação gigante (Júlio Verne na Viagem ao Centro da Terra descreveu gigantes cogumelos) que vive debaixo da Terra tendo crescido assim para o gigantismo devido á fraca força gravítica local. Por último, descreve as pessoas que vivem lá em baixo onde não existe noite, pois têm 24 horas de luz do sol interior que se chama Atoma. Confirma a existência de massas montanhosas e de grandes corpos de água como os que existem na superfície da Terra, como mares, lagos e rios...mas com uma vibração e uma energia mais pura e mais alta - a chamada frequência da quarta dimensão. Ora a quarta dimensão (o tempo) também nós por aqui vamos tendo embora cada vez menos. Quanto à frequência ser mais alta e mais pura...isto já me cheira a Mambo Jambo.
Um dos maiores vultos mitificados pelos adeptos da teoria da TO é o almirante americano Richard Byrd.
Rear Admiral Richard Evelyn Byrd, nasceu em Outubro 25 de 1888 e faleceu em Março 11, de 1957. Byrd foi basicamente um explorador que alegou ter sido o primeiro a sobrevoar o Pólo Norte em 1926, o que muitos duvidam, e o Pólo Sul em 1929. Organizou e participou em 4 outras expedições à Antarctida respectivamente em 1933–35, 1939–40, 1946–47 e 1955–56.
A expedição de 1946 está na origem da mitologia em torno do almirante, dos OVNIS e da ideia da TO. De facto, a expedição foi cancelada abruptamente seis meses mais cedo em Fevereiro de 1947. Ainda a bordo do barco de apoio Mount Olympus, Richard Byrd deu uma entrevista a um jornal chileno onde declarou que os EUA deviam estar em alerta máximo e adoptar medidas defensivas para prevenir uma possível invasão do país por aviões (leia-se naves) hostis a partir de ambos os Pólos. O almirante disse ainda:

Gravura: Icerigger de Alan White
  "I do not want to scare anybody but the bitter reality is that in the event of a new war the United States will be attacked by aircraft flying in from over one or both poles." (...) "the most important of the observations and discoveries made was the of the present potential situation as it relates to the security of the United States...I can do no more than warn my countrymen very forcibly that the time has passed when we could take refuge in complete isolation and rest in confidence in the guarantee of security which distance, the oceans and the poles provide and remain in a state of alert and watchfulness".
Estas palavras alimentaram imediatamente os adeptos da teoria da conspiração sobre as actividades Nazis na Antarctida, mas isto fica para os próximos capítulos.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Viagem Ao Centro Da Terra - Part V

Viagem Ao Centro Da Terra - Part IV

Viagem Ao Centro Da Terra - Part III

Viagem Ao Centro Da Terra - Part II

Viagem Ao Centro Da Terra - Part I

Comos vimos em posts anteriores, a Ficção Científica e a Fantasia foram duas musas inspiradoras do Prog Rock dos anos setenta.
A Viagem ao Centro da Terra de Júlio Verne foi brilhantemente adaptado por Rick Wakeman, célebre teclista da Banda YES, numa peça de Rock Sinfónico espectacular para os apreciadores.
Deixo aqui a primeira parte da obra.

O Romance Científico (1)

O romance científico representa o primeiro passo real no caminho da consolidação das ideias centrais e dos temas da FC num manifesto moderno reconhecível. Este conceito só entrou em uso após 30 anos passados sobre o livro de Júlio Verne, Journey to the Center of the Earth (Viagem ao Centro da Terra), e com a publicação de Time Machine (1895) de H.G. Wells.

A Viagem ao Centro da Terra mostra uma precisão de detalhes certamente inspirada nos trabalhos de Poe, embora mostrando uma mais clara compreensão da ciência e do método científico.Verne admirava-o profundamente, de tal maneira que escreveu uma sequela da Narrativa de Arthur Gordon Pym ((1837).

Vulcão islandês por onde o prof. Lidenbrock teria entrado
Na Viagem ao Centro da Terra, Verne descreve a descida, do professor Von Hardwigg (Otto Lidenbrock na versão francesa) e do seu espirituoso sobrinho Harry, de uma cratera de um vulcão Islandês, o vulcão do glaciar Snaefellsjokull (no final saiem pelo Etna), onde vão encontrar no interior da Terra um mundo subterrâneo habitado por monstros pré-históricos. (Gravura da esquerda: The Unholy City de Peter Jones) O autor descreve o cenário com uma lógica criteriosa e sensata, explicando como os dinossauros sobreviveram tanto tempo isolados, mas é a maneira como a personagem de Van Hardwigg, um químico e mineralogista de profissão, descreve a sua descoberta, que é o mais esclarecedor sobre aquilo que são as características de um romance científico. A novela está cheia da especulação científica sobre conceito da Terra Oca da época. No papel principal do romance está um cientista que mostra claramente como usa o método científico na descoberta das origens daquele mundo subterrâneo É, por outro lado, também uma aventura, que foi muito lida e como tal teve um grande impacto que influênciou outros escritores do tempo e mesmo posteriores, como por exemplo, Edwin A. Abbot, Robert Louis Stevenson e sobretudo H.G.Wells.

Se Viagem ao Centro da Terra marca os inícios da FC como um género definitivo, os trabalhos posteriores de Júlio Verne marcam o seu desenvolvimento, como são os casos de From Earth to the Moon (Da Terra à Lua) (1865), Twenty Thousand Leagues under the Sea (20000 Léguas Submarinas) (1870) e The Mysterious Island (A Ilha Misteriosa) (1874).
Júlio Verne brinca com as novas ideias emergentes de um mundo industrial e científico em expansão, desenvolvendo cenários imaginativos que explica como se fossem cenários reais. Foi esta capacidade que o tornou um quase profeta. De facto, as viagens à lua tornaram-se realidade um século depois.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Edgar Allan Poe III

Edgar Allan Poe II


Ainda hoje a obra de E.A. Poe inspira numerosas criações, desde as artes gráficas até à música. Deixo aqui dois exemplos de adaptação completamente diferente do poema the Raven, realizada por dois expoentes do Rock: Lou Reed e Alan Parsons.

As Origens Da Ficção Científica (4): Edgar Allan Poe

Faço aqui uma especial menção a Edgar Allan Poe ((Boston, 19 de janeiro de 1809 – Baltimore, 7 de outubro de 1849), tido por alguns critícos como o autor que inaugurou o género de Ficção Científica. É o caso de Thomas Dish que em The Dreams Our Stuff Is Made Of expõe as razões pelas quais considera Allan Poe o progenitor do género. Para mim, Poe está mais directa e profundamente relacionado com as histórias de Horror, tendo inclusivamente influenciado a posteriori autores como H.P.Lovecraft, Stephen King e Clive Barker. De qualquer maneira, E.A.Poe utilizou personagens e ideias nas suas histórias que mais tarde vieram a estar relacionados    (em cima à esquerda, The Dreaming #56:Poe, por Mike Huddleston)

com a Ficção Científica, como sejam por exemplo, o encontro com raças alienígenas extraterrestres, vôos de balão até à lua...
Para Dish, Edgar Allan Poe é a fonte, pela simples razão de que as pessoas leram o seus livros, ao contrário do que aconteceu com Frankenstein de Mary Shelley.
Poe foi mais aplaudido na Europa do que nos EUA. Baudelaire (seu tradutor para francês) idolatrou-o como o mais perfeito mestre da auto-destruição, e gerações de escritores franceses tiveram-no como exemplo. Entre os seus acólitos germânicos contaram-se, Nietzsche, Rilke, e Kafka. Os europeus continuam a procurar um determinado tipo de literatura devassa americana celebrando-a com atributos de culto. William Burroughs e Bukowski, não têm qualquer tipo de reconhecimento na América, mas inspiram reverência no Continente Europeu.
No caso de Poe, um novato citadino que se transformou num desperado; um gentleman burguês, bem vestido e bem falante que acabou na indigência; tal figura trágica excitou a intelectualidade europeia, como se esta se podesse imaginar a viver do outro lado do Atlântico, experimentando confortavelmente nas poltronas dos clubes literários europeus, os "horrores" da sociedade do Far West. Apesar de ser bastante lido, Poe estavam muito longe de ser mitificado pelos seus compatriotas. T.S. Eliot, certamente alarmado pelos bárbaros estarem à porta, coloca-o da seguinte maneira:

Modern Poes por Scott E. Anderson
" That Poe had a powerful intellect is undeniable: but it seems to me the intellect of a highly gifted young person before puberty. The forms which his lively curiosity takes are those in which a pre-adolescent mentality delights: wonders of nature and of mechanics and of the supernatural, cryptograms and cyphers, puzzles and labyrinths, mechanichal chess players and wild flights of speculation. The variety and ardour of his curiosity delight and dazzle; yet in the end the eccentricity and lack of coherence of his interests tire."

Nesta polémica literária, Eliot ressentido contra Poe, reside o confronto entre a Ficção Científica contra a literatura séria, entre dois géneros de arte; o popular por um lado e... qual é o seu oposto? Impopular? 
Para o que interessa, volvidos um século e meio, considerar elitista a literatura de Eliot ou popular a de Allan Poe não tem o mínimo interesse. O modernismo de Eliot é incontornável, mas também o de Poe.
A diferença entre Eliot e Poe, entre a literatura mainstream e FC, não pode ser detalhada pelos critérios do criticismo convencional. Ninguém pode afirmar que Eliot é formalista e Poe não. Qual poema  mais formalista? O Waste Land de Eliot ou o Raven de Edgar Allan Poe?

"APRIL is the cruellest month, breeding
Lilacs out of the dead land, mixing
Memory and desire, stirring Dull roots with spring rain. Winter kept us warm, covering Earth in forgetful snow, feeding A little life with dried tubers. "
Excerto de Waste Land


"Once upon a midnight dreary, while I pondered weak and weary,

Over many a quaint and curious volume of forgotten lore,

While I nodded, nearly napping, suddenly there came a tapping,

As of some one gently rapping, rapping at my chamber door.

`'Tis some visitor,' I muttered, `tapping at my chamber door -

Only this, and nothing more."


Excerto de The Raven
A diferença essencial não está na estética ou na subtil natureza metafísica dos dois escritores. A grande diferença está nas questões económicas. Edgar A. Poe escrevia para um grande público. Estava virado para o mercado. Foi o primeiro escritor a atingir um mercado de massas. E este foi o seu grande infortúnio, pois naquela época o mercado estava na sua infância (1830,1840). O seu grande sonho era criar uma revista de nível nacional. Falências, problemas financeiros, alcoolismo e depressão estiveram na origem da sua decadência e física e posterior falecimento. A sua mente, como as suas personagens, (escrevia sempre na primeira pessoa) oscilava entre períodos de lucidez e de insanidade. Na altura da sua morte o seu comportamento era já totalmente errático.



quinta-feira, 8 de julho de 2010

Patrick Woodroffe (2)

Patrick Woodroffe por ele próprio:
 Em baixo: Mons Veritatis

"A arte é romance, penso eu. É dar qualquer coisa de misterioso e de maravilhoso às coisas. Dar algo que a realidade não pode oferecer torna a arte mais forte. Eu gosto de andar pela periferia do  Kitsch porque é daí que vem a melhor arte.
Eu vejo-me antes de tudo como um pensador, não necessariamente um artista. Desenhar e pintar é só uma maneira de pensar. É por isso que também escrevo. As duas coisas vão juntas. A maioria das minhas pinturas e desenhos são como histórias. Nenhuma das minhas ilustrações é simplesmente perspectiva sem qualquer espécie de comentário ou conteúdo narrativo. Mas é a ilustração que faz com que a escrita seja mais pessoal. As imagens estão na minha cabeça e simplesmente espero trazê-las para fora e torná-las mais reais."
Em baixo Pastures in the Sky
 

Em cima:Hortus Conclusus

Uma das características mais interessantes da arte de Patrick é a sua riqueza de cor e detalhe. Castanhos esbatidos e dourados combinam com azuis cerúleos, verdes viçosos e vermelhos feéricos de maneira a engrandecer a justaposição de imagens. Figuras, edifícios e as formas naturais da paisagem apresentam-se com grande claridade de tal maneira que é possível distinguir cada folha, cada pena nas asas dos pássaros, cada cabelo no peito de guerreiros musculados.
" É assim que eu vejo a realidade. A excitação de olhar a natureza é porque tudo é tão incrivelmente real e definido. Não interessa o que faças, fotografia ou qualquer outra coisa, nunca podes jamais transmitir essa incrível super-realidade. Mas quanto mais detalhe colocares na tua pintura, mais duradoura se torna a ilusão, mesmo que seja um puro vôo de imaginação". 

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Patrick Woodroffe (1)

Patrick Woodroffe, é escritor, poeta, pintor, escultor e designer de luz. Nasceu em 1940 em Halifax no West Yorkshire, Inglaterra. Woodroffe especializou-se em Fantasia e Ficção científica. Em 1979 criou as ilustrações para The Pentateuch of the Cosmogony: The Birth and Death of a World, um projecto conjunto com a banda  de rock sinfónico Greenslade. The Pentateuch seria o primeiro de cinco capítulos de um alienígeno Livro dos Genesis. O album consistia de 2 discos e um livro de 47 páginas com ilustrações de Woodroffe que foram apresentadas em 1979 na Convenção de Ficção Científica de Brighton






























Derelictus In Caelo de Pentateuch Of the Cosmogony


 
A sua colaboração com bandas de rock não se esgotou com os Greenslade. Woodroffe desenhou as capas para bandas como os Strawbs e os Judas Priest entre outras.
 
 

A Barreira Frankenstein (3)

Esta inversão é também evidente num outro filme que se considera a si mesmo de Ficção Científica -  Solaris (1972) de Tarkovsky. Neste filme, curiosamente, nunca chegamos a enxergar o sensitivo planeta alienígeno que representa o futuro da humanidade. E o artefacto futuro da humanidade - a nave espacial - não é mais do que um espaço vazio que é gradualmente preenchido por memórias do passado da Terra. Estas, são memórias de coisas orgânicas, coisas cada vez mais inescrutáveis, cada vez mais presentes com materialidade própria. São memórias do passado devolvido sinistramente ao presente à medida que a busca científica de Kelvin - as suas máquinas e aparelhagens - é progressivamente absorvida por um profundo e inexplicável drama familiar. 
O instrumento pelo qual ele comunica com o planeta alienigeno, toma primeiro a forma da sua defunta esposa. Mas aquilo que parece ser um simulacro torna-se carne viva quando nós descobrimos, numa fotografia de família, a sua parecença com a mãe de Kelvin. Na cena final do filme, Kelvin resolve permanecer em Solaris e confrontar o seu futuro que coexiste inexplicavelmente, com o seu regresso à sua casa de infância na Terra, onde faz um silencioso contacto com uma série de coisas - um cavalo, árvores, a casa, o seu pai. Mas este contacto toma lugar num mundo visualmente presente e misteriosamente invertido, onde a chuva agora cai dentro de casa e não no seu exterior.
Temos o mesmo padrão noutro filme de "Ficção Científica" de Tarkovsky - Stalker (1979).
O filme é ostensivamente baseado no romance do irmãos Strugatsky, Roadside Picnic, onde seres humanos encontram a "ZONA", um área prenhe de artefactos aparentemente pertencentes a uma cultura extraterrestre. E se estes artefactos provêm na verdade de uma cultura mais avançada do que a nossa, então representam o nosso futuro também. No filme, todavia, a entrada do protagonista na ZONA é uma antecipação prolongada, e o futuro nunca é mais do que uma possibilidade de ele encontrar tais artefactos. Ele espera em campos verdes familiares entre reconhecíveis máquinas de guerra abandonadas. E nesta área, inexplicavelmente, vagueia um cão preto que se torna mais alien do que qualquer artefacto do futuro. Qualquer que seja a sua origem, o cão ocupa cada vez mais a nossa atenção, tornando-se algo de inefável na sua orgânica presença, no contexto de um falhado futuro tecnológico, trazendo uma aura de mistério, de horrorosa decadência. É como se ao perscrutar o futuro, o protagonista de Tarkovsky tenha invocado, em igual e oposta medida, um passado orgânico que se torna algo terrivelmente impenetrável.
Na sua "pureza de coisa" parecerá pertencer só ao Éden, o seu lugar ontológico original. Só aqui no paraíso, cada coisa se prenche a si mesma, sem passado nem futuro, só presença. O pecado original da espécie humana, associado à ciência, tem introduzido mudança, criando um sentido de futuro.
O que está em causa com Victor Frankenstein, todavia, não é o seu pecado original mas um pecado em segundo grau - o pecado contra a segunda chance da ciência moderna oferecer à humanidade, refazendo o seu corpo caído, e direccionando-a para "as coisas que hão-de vir". Victor abre a porta do futuro só para trair essa via que abriu.

Perseguindo Victor a transformação da natureza animal através da razão, a mesma animalidade, de uma maneira igual e oposta, permanece como coisa inerte no caminho, não só do Frankenstein mas de todos os nossos sonhos do futuro. A criatura avisa Victor: " Tú és o meu criador, mas eu sou o teu senhor". Mas aquilo que a criatura chama de Senhoria, não passa de uma cada vez maior presença numa série de impedimentos no destino de Victor - a família, os amigos, finalmente a esposa e potencialmente a descendência. Este monstro, como os animais de Tarkovsky, simplesmente são Travesties materiais do cogito cartesiano.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

A Barreira Frankenstein (2)

Colocar Frankenstein na origem da FC é erigir aquilo que George Slusser chamou de Barreira Frankenstein. Este muro incorpora um conflito geral que permanece bem enraizado na nossa cultura Ocidental, desde o tempo de Mary Shelley. Este é o conflito entre a tecnologia utilitária e os Parnassianos, aqueles que defendem que se faz a arte pela arte, afirmando que as coisas não são feitas para se usarem, mesmo que as façamos com a intenção de trazer mudança e progresso ao futuro. Tais oponentes das coisas que hão-de vir são cultores das ruínas. São amantes da demonstração, pela silenciosa presença das coisas que ultrapassam a sua função, que todas as coisas criadas eventualmente sobrevivem aos seus criadores. O argumento é: aquilo que sobrevive ao passado pode também derrotar o futuro. Uma moeda antiga encontrada em quaisquer ruínas, não só sobreviveu ao império que ajudou a construir, mas troça de todos as tentativas futuras de construção de tais impérios.
Ésta é a assunção que reside no deboche reaccionário do filme Satyricon de Fellini, um filme que o próprio perversamente considerou de Ficção Científica. As imagens de Fellini literalmente derrotam o futuro pela demonstração de que a grandeza do passado é muito maior do que os futuros imaginados, neste caso, os artefactos romanos simplesmente manifestados sem comentários no nosso presente. Eles são nos mostrados na sua crua materialidade, despidos de significado e de valor que em tempos governaram o seu uso.
Fellini pretende alcançar a derrota da tecnologia ao nos mostrar as coisas mortas da tecnologia - neste caso artefactos e maquinaria de um passado distante. Mas se a criatura de Victor é uma máquina, ela é feita de partes orgânicas. E o seu desejo por uma noiva é o esforço adicional para efectivar a síntese funcional do mecânico e do orgânico, para animar a sua materialidade e direccioná-la para um futuro vital. A reacção cultural a tais usos científicos de artefactos do passado é, como vemos em Fellini, um grande desejo de erigir muros, de criar uma relação antinómica entre os conceitos como máquina e organismo. Mas não é tudo. Em relação a estes termos particulares, uma curiosa inversão ocorre, na qual é agora a materialidade do próprio objecto orgânico que se eleva para bloquear, de qualquer maneira, as tentativas da tecnologia de produzir coisas. Nós vemos tudo isto no filme de Fellini, pois são os utilizadores humanos que se tornam no final de contas, obstinados, empedernidos e mais impenetráveis do que as coisas que manipulam.
Mary Shelley, de certa maneira, é a primeira também a penetrar nos meandros do horror do pós-modernismo.

A Barreira Frankenstein (1)


A Barreira Frankenstein é um termo cunhado por George Slusser num livro intitulado Fiction 2000, Cyberpunk and the future of Narrative. Nele dedica um capítulo inteiro ao romance de Mary Shelley. Partindo do princípio que  a ciência está agora apta a oferecer um real sentido às coisas vindouras (things to come), a literatura deve encontrar um meio também para as apresentar. Victor Frankenstein toca no problema com as seguintes palavras:

" Era ao zelo infatigável desses homens (Cornellius Agrippa e Paracelso) que os sábios modernos deviam quase todas as bases dos seus conhecimentos. Deixaram-nos a tarefa bem mais fácil de dar novos nomes e classificar os factos que largamente haviam contribuído para descobrir ".

Como Victor assim os apresenta, os cientistas do passado são ainda o seu futuro, e a sua época, unicamente dá nomes para as suas descobertas, procurando integrá-los nos sistemas humanos existentes. Nas suas formulações, Victor constantemente associa a ciência com o futuro, e aquilo que chamamos as disciplinas humanísticas (e por extensão a sua representação na ficção tradicional) com o presente. E assim vistas as coisas, ele coloca em confronto as disciplinas cientificas com as humanidades.

" Só quem experimentou pode ter uma ideia do fascínio da Ciência. Nos outros estudos, cada um vai até ao ponto a que os outros chegaram antes e nada mais há a saber; mas nas investigações científicas há sempre descobrimentos a fazer e motivos de estupefacção. " Nestes "outros estudos", aquilo a que nós chamamos humanidades, as relações são constrangidas pela duração da existência humana. E o que aqui está explícito, e muito significativo, é o sentido apurado de Victor de que o presente como uma entidade, bloqueia o futuro porque nega os novos conhecimentos: nada de novo há mais para saber. Para Victor, o confronto não é com o passado relativamente ao futuro, mas antes com o presente relativamente ao futuro. Quanto mais Victor se esforça para a que descoberta contínue, mais as coisas no presente resistem a essa força.

Para Victor o caminho do futuro faz-se através das coisas. Das coisas que ele cria, coisas com devir:

" Ia espargir uma torrente de luz sobre o mundo coberto de trevas, uma nova raça abençoar-me-ia por tê-la criado. Seres bons e felizes dever-me-iam a vida. "

A verdadeira encruzilhada do romance é o momento em que a criatura, numa longa, emotiva e filosófica conversa com Victor num glaciar perto de Chamonix, lhe pede que o cientista lhe dê o seu próprio futuro: Neste caso uma noiva, que significa que poderiam originar uma nova raça para além do controle humano. " - Eu deveria ser o teu Adão; mas afinal sou o anjo caído que baniste do paraíso. Por todo o lado vejo uma felicidade de que estou irremediavelmente excluído. Eu era benevolente e bom; O desgosto transformou-me num demónio! Faz-me feliz e tornar-me-ei virtuoso (...). "

- " É preciso que cries uma mulher para mim, com quem eu possa viver e trocar os sentimentos de afecto que são necessários à vida. Só tú és capaz de o fazer; e peço-te como um direito que me cabe e que não poderás recusar-me. "

Num breve período de tempo a criatura mostrou sinais de prodigiosos poderes físicos e mentais. Que tipo de raça poderosa tal criatura poderia gerar? Sendo naturalmente uma experiência, a criatura não passa de uma mera coisa derivada da forma humana. Mary Shelley nem sequer nos deixa fazer a nossa própria abstração. Devemos ver a criatura pela comparação ao espelho com a forma humana. O ser confrontado com a sua própria monstruosidade aos olhos de Agatha e Felix, que à distância amava, desceu ao nível do grotesco, uma aberração única e solitária.

A criatura do futuro é agora uma coisa, é agora o presente como objecto de horror aos olhos da humanidade que não pode aceitar o futuro daquele ser. E Victor, que detém o poder de sustentar a possibilidade do futuro da sua criação libertando-a da sua solidão, não criará a noiva. A partir deste acto negativo, ele impele a criatura contra Elisabeth Lavenza, sua futura esposa de Victor, o seu futuro.

– Todos os homens devem ter uma mulher por companheira, exclamou. – Terei de continuar só? (…)

-Cala-te demónio, e não empestes o ar com as tuas palavras de ódio. Já te disse o que decidi e não sou cobarde para me curvar perante ameaças. Deixa-me! Serei inflexível!

-Pois bem, parto; mas lembra-te de que estarei contigo na tua noite de núpcias!”

A recusa de Victor transforma a Ficção Científica em horror pois força o futuro a vir para trás, e agora é o futuro que se bloqueia a si mesmo na forma de uma coisa destrutivamente presente em cada aspecto do futuro de Victor, a família, os amigos, o seu casamento. Como resultado da sua decisão, o cientista é forçado a retirar-se da sua pesquisa pelo conhecimento, e a sua vida implode numa série de tragédias que o lançam literalmente no abismo.



domingo, 4 de julho de 2010

As Origens Da Ficção Científica (3)

Então qual foi a primeira novela verdadeiramente de Ficção Científica - e quando é que foi escrita?
Brian Aldiss propôs na sua excelente história do género, Billion Year Spree (1973), que devemos tomar como a primeira novela de FC verdeiramente reconhecida como tal, o Romance Gótico Frankenstein, or the Modern Prometeus (1818) de Mary Wollstonecraft Shelley. Mais conhecida por Mary Shelley, era filha de pais educados e influentes. Sua mãe era a escritora e pedagoga Mary Wollstonecraft e o pai o filósofo William Godwin. Casou com o poeta Percy Bysshe Shelley. Todas estas importantes ligações teriam facilitado a impressão do seu livro. Segundo Aldiss, há muitas e boas razões para oferecer a progenitura da Ficção científica a Mary Shelley.


Frankenstein mostra uma espécie de cântico fúnebre consciente acerca do conhecimento tecnológico-científico do tempo e desenvolve a partir daqui toda a sua história. Frankenstein mostra claramente os inícios do desenvolvimento da FC como forma distinta relativamente a outros escritos fantásticos. De uma maneira idêntica a outra ficção do seu tempo, recebe influência da filosofia, poesia e mitologia mas acrescenta a dimensão extra dos conceitos científicos. É essencialmente um Romance Gótico, no qual Shelley usa inteligentemente o pensamento científico da época para tornar o seu demónio credível. O monstro não é simplesmente uma entidade diabólica que existe. A sua criação foi explicada, peça a peça, ou melhor, orgão a orgão, pelo ser humano que literalmente lhe deu um choque eléctrico para o fazer viver. Invocações mágicas ou místicas não se encontram em parte alguma no livro, enquanto que as analogias religiosas, permanecem puramente metafísicas. A ciência, não a religião, tornou-se a chave para abrir a vida.
Contudo não há unanimidade na atribuição da maternidade da FC ao Romance Frankenstein. Segundo Thomas S. Disch, escritor de FC e crítico, no seu memorável livro The Dreams Our Stuff Is Made OF, afirma que os argumentos de Aldiss são meramente teóricos, pois a alegação de Shelley que a vida humana poderia ser engenhoqueiramente criada por um cientista competente não passa de FC rudimentar. Corrosivo, Disch considera que os poucos momentos memoráveis do livro da escritora são completamente cercados por grandes gastos de tundra narrativa, ao que acrescenta, que um escritor não lido não pode ser ancestral intelectual de ninguém.
O romance de Shelley contudo, representa uma etapa corajosa numa nova maneira de pensar, e lança uma luz brilhante para o futuro tornando possível mais explorações. Em Frankenstein, Shelley abre uma Caixa de Pandora de noções e ideias que andavam a borbulhar sob a superfície da sociedade há muitos anos.
Ela deu-lhes voz e forma, e provou a si mesma estar anos à frente do seu tempo.
É correcto afirmar que Frankenstein representa o primeiro romance de FC que apareceu de acordo com a nossa definição prévia apresentada em posts anteriores. Todavia, há razões para acreditar que carrega um significado maior na classificação de Romance Gótico, e também é importante frizar, de acordo com os reparos de Thomas Dish, que até meio do século XX, Frankestein não teve grande influência no desenvolvimento do género Ficção Científica. Permanece só como a prova da visão de uma jovem mulher que só, muitos anos mais tarde quando o género estava já estabelecido,  foi reconhecido como uma peça clássica da FC.
Ainda hoje poucos leram o romance. A maioria das pessoas  conhece Frankenstein pelas versões fílmicas simplistas e distorcidas da história. Hollywood dá uma visão perjorativa e redutora da Ficção Científica no que concerne, neste caso, ao monstro pois colocam o pobre na fita a correr desembestado sem rumo, tornando-se um perigo para mulheres inocentes que ficam por isso à beira de um ataque de nervos. Frankenstein é assim uma espécie de Drácula sem glamour, um zombie electrizado, uma personagem vestindo umas roupinhas com 200 anos de baú e razoavelmente comidas pelas traças, e mortificado, passa metade do filme a fugir de uma turba de aldeões que o perseguem brandindo tochas no ar. Isto não é ficcção científica mas o seu género oposto. O de história antiga.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Pamela Lee

Um dos expoentes da Space Art, Pamela Lee, nasceu em 1949, graduou-se na Universidade do Arizona, vive em Modesto, Califórnia, e é membro da Belas Artes da NASA.
Lee, foi a primeira artista a ter pinturas suas a bordo do Space Shuttle. A sua pintura da missão 51-I do vaivém espacial foi seleccionada pelo Museu Smithosonian e foi também incluída na exposição "Visions of Flight" que foi exibida numa digressão mundial promovida pela NASA.

Ao lado: Bringing In The Big Boy (acrílico) mostra o astronauta William Fisher observando a captura do satélite Leasat 3.

Pamela Lee, tem as suas pinturas divididas por museus e colecções particulares, incluindo diversos astronautas e cientistas, o Museu Gagarine em Star City na Rússia e no Museu Pushkin Art em Moscovo.
Lee era intensamente favorável à cooperação internacional para o espaço, nomeadamente com a, em boa hora, extinta União Soviética. Pamela chegou a visitar diversas instalações espaciais na URSS como convidada do governo soviético, tendo colaborado também com o artista russo Andrei Sokolov. O seu trabalho apareceu em programas de televisão, como por exemplo, Cosmos - Year Of The Comet, Future Flight, Visions Of Other Worlds e Beyond 2000, entre outros. Os seus trabalhos aparecem também em numerosos livros e revistas nos EUA. Desenvolveu também um programa internacional dirigido às crianças sobre Espaço e Arte chamado Space Bridge.     Em baixo: Space Engineers (acrílico)
A Arte Espacial (Space Art) é um termo geral que resultou de um conjunto de ideias provenientes de um cada vez maior conhecimento científico do espaço exterior e mesmo do Universo. Este tipo de arte não se limita a representar realísticamente a situação concreta  da astronáutica e cosmonáutica da actualidade mas  a maior parte das vezes antecipa cenários futuros e futuristas da conquista do espaço pela Humanidade.
Em Baixo: Space Shuttle




A representação do espaço não é uma novidade do século XX. De facto, o tema do espaço foi dominante na decoração de tectos da Alta Renascença e do Rococo no séc. XVIII. No séc. XIX,  o desenvolvimento cultural e a informação empirica redifiniu a pintura. Estudos científicos da visão e da cor, novas visões cintíficas do espaço fisico, a invenção da fotografia e os avanços químicos na preparação das cores das tintas, alteraram para sempre as artes visuais.
Em baixo:: Nuclear Attack On S. Francisco.
O trabalho destes artístas é feito frequentemente lado a lado com éngenheiros e cientistas, porque os ajuda a visualizar e a conceber conceitos tecnológicos e científicos, tornando o sonho da exploração espacial realidade. Mas talvez o mais importante deste tipo de arte gráfica é expandir os horizontes e a visão da humanidade relativamente ao Cosmos.




Em cima: Martian Arches Natural Monument
Death On Mars

quinta-feira, 1 de julho de 2010

As Origens Da Ficção Científica (2)

Em 1516, Thomas Moore publicou em Latim, a sua famosa obra política, Utopia. Uma tradução inglesa apareceu em 1551. O livro descreve com grande detalhe uma ilha desconhecida, modelada pela recente descoberta da América, onde uma sociedade perfeita é estabelecida - o primeiro vislumbre de um estado utópico. O livro é fundamentalmente satírico, e a intenção de Moore é mostrar que não acredita em tal equilíbrio social e que tal, nunca será atingido. Utopia despoletou uma explosão de ficções sobre as utopias: que continuam ainda hoje a ser criadas, mas na verdade são mais políticas do que escritos ficcionais.                     Em Cima: Ilustração: Absolute Elsewhere 4 de Peter Goodfellow

A Europa, sofreu e por arrasto o mundo com as utopias tentadas: O comunismo e em certa medida Nazismo foram só dois exemplos. Hoje debatemo-nos com a utopia da Mãe Natureza. Mas estas são contas de outro rosário. Utopia de Thomas Moore é, todavia, importante porque indica a direcção para a literatuta fantástica.

Sucederam-se um conjunto de trabalhos fantásticos nos séculos seguintes, à medida que os escritores começaram a utlizar técnicas e artifícios que estariam mais tarde intimamente associados à Ficção Científica.  

Ao lado: Autumned de Nilson                                             

 
Tais são os casos de As Viagens de Gulliver (1726) de Jonathan Swift, bem como de Micromégas (1752) de Voltaire, embora menos conhecido. Ambas as obras são satíricas e usam conceitos como alienigenas e estranhos novos mundos, como meios para o comentário sobre as sociedades contemporâneas onde esses autores viviam. Devemos considerar aqui os alienígenas, não como aqueles que aparecem no Star Trek, mas humanos metafóricos sem experiência na nossa cultura. A sua ignorância é usada como sátira com efeitos muitas vezes engenhosos. De qualquer maneira, estas histórias permanecem no género da fantasia.