segunda-feira, 5 de julho de 2010

A Barreira Frankenstein (1)


A Barreira Frankenstein é um termo cunhado por George Slusser num livro intitulado Fiction 2000, Cyberpunk and the future of Narrative. Nele dedica um capítulo inteiro ao romance de Mary Shelley. Partindo do princípio que  a ciência está agora apta a oferecer um real sentido às coisas vindouras (things to come), a literatura deve encontrar um meio também para as apresentar. Victor Frankenstein toca no problema com as seguintes palavras:

" Era ao zelo infatigável desses homens (Cornellius Agrippa e Paracelso) que os sábios modernos deviam quase todas as bases dos seus conhecimentos. Deixaram-nos a tarefa bem mais fácil de dar novos nomes e classificar os factos que largamente haviam contribuído para descobrir ".

Como Victor assim os apresenta, os cientistas do passado são ainda o seu futuro, e a sua época, unicamente dá nomes para as suas descobertas, procurando integrá-los nos sistemas humanos existentes. Nas suas formulações, Victor constantemente associa a ciência com o futuro, e aquilo que chamamos as disciplinas humanísticas (e por extensão a sua representação na ficção tradicional) com o presente. E assim vistas as coisas, ele coloca em confronto as disciplinas cientificas com as humanidades.

" Só quem experimentou pode ter uma ideia do fascínio da Ciência. Nos outros estudos, cada um vai até ao ponto a que os outros chegaram antes e nada mais há a saber; mas nas investigações científicas há sempre descobrimentos a fazer e motivos de estupefacção. " Nestes "outros estudos", aquilo a que nós chamamos humanidades, as relações são constrangidas pela duração da existência humana. E o que aqui está explícito, e muito significativo, é o sentido apurado de Victor de que o presente como uma entidade, bloqueia o futuro porque nega os novos conhecimentos: nada de novo há mais para saber. Para Victor, o confronto não é com o passado relativamente ao futuro, mas antes com o presente relativamente ao futuro. Quanto mais Victor se esforça para a que descoberta contínue, mais as coisas no presente resistem a essa força.

Para Victor o caminho do futuro faz-se através das coisas. Das coisas que ele cria, coisas com devir:

" Ia espargir uma torrente de luz sobre o mundo coberto de trevas, uma nova raça abençoar-me-ia por tê-la criado. Seres bons e felizes dever-me-iam a vida. "

A verdadeira encruzilhada do romance é o momento em que a criatura, numa longa, emotiva e filosófica conversa com Victor num glaciar perto de Chamonix, lhe pede que o cientista lhe dê o seu próprio futuro: Neste caso uma noiva, que significa que poderiam originar uma nova raça para além do controle humano. " - Eu deveria ser o teu Adão; mas afinal sou o anjo caído que baniste do paraíso. Por todo o lado vejo uma felicidade de que estou irremediavelmente excluído. Eu era benevolente e bom; O desgosto transformou-me num demónio! Faz-me feliz e tornar-me-ei virtuoso (...). "

- " É preciso que cries uma mulher para mim, com quem eu possa viver e trocar os sentimentos de afecto que são necessários à vida. Só tú és capaz de o fazer; e peço-te como um direito que me cabe e que não poderás recusar-me. "

Num breve período de tempo a criatura mostrou sinais de prodigiosos poderes físicos e mentais. Que tipo de raça poderosa tal criatura poderia gerar? Sendo naturalmente uma experiência, a criatura não passa de uma mera coisa derivada da forma humana. Mary Shelley nem sequer nos deixa fazer a nossa própria abstração. Devemos ver a criatura pela comparação ao espelho com a forma humana. O ser confrontado com a sua própria monstruosidade aos olhos de Agatha e Felix, que à distância amava, desceu ao nível do grotesco, uma aberração única e solitária.

A criatura do futuro é agora uma coisa, é agora o presente como objecto de horror aos olhos da humanidade que não pode aceitar o futuro daquele ser. E Victor, que detém o poder de sustentar a possibilidade do futuro da sua criação libertando-a da sua solidão, não criará a noiva. A partir deste acto negativo, ele impele a criatura contra Elisabeth Lavenza, sua futura esposa de Victor, o seu futuro.

– Todos os homens devem ter uma mulher por companheira, exclamou. – Terei de continuar só? (…)

-Cala-te demónio, e não empestes o ar com as tuas palavras de ódio. Já te disse o que decidi e não sou cobarde para me curvar perante ameaças. Deixa-me! Serei inflexível!

-Pois bem, parto; mas lembra-te de que estarei contigo na tua noite de núpcias!”

A recusa de Victor transforma a Ficção Científica em horror pois força o futuro a vir para trás, e agora é o futuro que se bloqueia a si mesmo na forma de uma coisa destrutivamente presente em cada aspecto do futuro de Victor, a família, os amigos, o seu casamento. Como resultado da sua decisão, o cientista é forçado a retirar-se da sua pesquisa pelo conhecimento, e a sua vida implode numa série de tragédias que o lançam literalmente no abismo.



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