domingo, 4 de julho de 2010

As Origens Da Ficção Científica (3)

Então qual foi a primeira novela verdadeiramente de Ficção Científica - e quando é que foi escrita?
Brian Aldiss propôs na sua excelente história do género, Billion Year Spree (1973), que devemos tomar como a primeira novela de FC verdeiramente reconhecida como tal, o Romance Gótico Frankenstein, or the Modern Prometeus (1818) de Mary Wollstonecraft Shelley. Mais conhecida por Mary Shelley, era filha de pais educados e influentes. Sua mãe era a escritora e pedagoga Mary Wollstonecraft e o pai o filósofo William Godwin. Casou com o poeta Percy Bysshe Shelley. Todas estas importantes ligações teriam facilitado a impressão do seu livro. Segundo Aldiss, há muitas e boas razões para oferecer a progenitura da Ficção científica a Mary Shelley.


Frankenstein mostra uma espécie de cântico fúnebre consciente acerca do conhecimento tecnológico-científico do tempo e desenvolve a partir daqui toda a sua história. Frankenstein mostra claramente os inícios do desenvolvimento da FC como forma distinta relativamente a outros escritos fantásticos. De uma maneira idêntica a outra ficção do seu tempo, recebe influência da filosofia, poesia e mitologia mas acrescenta a dimensão extra dos conceitos científicos. É essencialmente um Romance Gótico, no qual Shelley usa inteligentemente o pensamento científico da época para tornar o seu demónio credível. O monstro não é simplesmente uma entidade diabólica que existe. A sua criação foi explicada, peça a peça, ou melhor, orgão a orgão, pelo ser humano que literalmente lhe deu um choque eléctrico para o fazer viver. Invocações mágicas ou místicas não se encontram em parte alguma no livro, enquanto que as analogias religiosas, permanecem puramente metafísicas. A ciência, não a religião, tornou-se a chave para abrir a vida.
Contudo não há unanimidade na atribuição da maternidade da FC ao Romance Frankenstein. Segundo Thomas S. Disch, escritor de FC e crítico, no seu memorável livro The Dreams Our Stuff Is Made OF, afirma que os argumentos de Aldiss são meramente teóricos, pois a alegação de Shelley que a vida humana poderia ser engenhoqueiramente criada por um cientista competente não passa de FC rudimentar. Corrosivo, Disch considera que os poucos momentos memoráveis do livro da escritora são completamente cercados por grandes gastos de tundra narrativa, ao que acrescenta, que um escritor não lido não pode ser ancestral intelectual de ninguém.
O romance de Shelley contudo, representa uma etapa corajosa numa nova maneira de pensar, e lança uma luz brilhante para o futuro tornando possível mais explorações. Em Frankenstein, Shelley abre uma Caixa de Pandora de noções e ideias que andavam a borbulhar sob a superfície da sociedade há muitos anos.
Ela deu-lhes voz e forma, e provou a si mesma estar anos à frente do seu tempo.
É correcto afirmar que Frankenstein representa o primeiro romance de FC que apareceu de acordo com a nossa definição prévia apresentada em posts anteriores. Todavia, há razões para acreditar que carrega um significado maior na classificação de Romance Gótico, e também é importante frizar, de acordo com os reparos de Thomas Dish, que até meio do século XX, Frankestein não teve grande influência no desenvolvimento do género Ficção Científica. Permanece só como a prova da visão de uma jovem mulher que só, muitos anos mais tarde quando o género estava já estabelecido,  foi reconhecido como uma peça clássica da FC.
Ainda hoje poucos leram o romance. A maioria das pessoas  conhece Frankenstein pelas versões fílmicas simplistas e distorcidas da história. Hollywood dá uma visão perjorativa e redutora da Ficção Científica no que concerne, neste caso, ao monstro pois colocam o pobre na fita a correr desembestado sem rumo, tornando-se um perigo para mulheres inocentes que ficam por isso à beira de um ataque de nervos. Frankenstein é assim uma espécie de Drácula sem glamour, um zombie electrizado, uma personagem vestindo umas roupinhas com 200 anos de baú e razoavelmente comidas pelas traças, e mortificado, passa metade do filme a fugir de uma turba de aldeões que o perseguem brandindo tochas no ar. Isto não é ficcção científica mas o seu género oposto. O de história antiga.

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